terça-feira, 27 de outubro de 2009

Nação Macua

Li este post no  malambas.blogspot.com e gostei...gostei mesmo maningue e resolvi compartilhá-lo convosco.
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Nação Macua
Todos os meus amigos sabem que nasci na Zambézia e que sou macua. Gosto muito desta minha condição.


Sou macua, pertenço a nação macua e gosto de o ser, sinceramente identifico-me completamente com as gentes desta nação, com o lugar, com os costumes, com o comer, com o viver; enfim Sou macua porque me sinto macua.


Incrivelmente hoje, ao receber uma chamada telefónica um amigo me disse: Estou na tua terra e chove aqui a cântaros. Fique radiante, tão radiante que repeti o que acabara de ouvir. Aí é? Está a Chover na minha terra?


Imediatamente obtive a seguinte resposta: Tua terra não, vives tantos anos fora daqui que já não pertences a este lugar.


Senti pela primeira vez que a nossa terra está enraizada em nós; é algo que trazemos num lugar recôndito mas sublime do nosso Eu. É que quando o meu amigo referiu que eu já não era filha da nação macua e já não pertencia mais aquele lugar, senti uma tão grande necessidade de reafirmar as minhas raízes macuas. E fi-lo veementemente: ao lhe ter dito que vivo em Maputo há mais de 20 anos, mas nada tenho haver com este lugar, nem com as suas gentes, nem com os seus costumes.

Disse-lhe que a minha terra é muito bonita igualmente as mulheres são muito bonitas, referi que na nação macua, as mulheres não são “loboladas” (dote pago pelos homens aos familiares da noiva para casar com uma mulher no sul de Moçambique) e os homens da minha nação, da (nação macua) são circuncidados e tem obrigatoriamente um rádio transístor, uma machamba (lavra) para a subsistência da família, sabem caçar, pescar, e partilhar.


Na nação macua Munherar (vergar a coluna e arrastar as duas mãos no chão em direcção ao velho, até que este a boa maneira macua te diga, fica a vontade) mas antes te pergunta pela tua família, pelo teu casamento, pela colheita e só então agradece o teu gesto e pede desculpa e insistentemente te diz põe-te bem. Fica a vontade, não é preciso estar assim.


Algumas pessoas em alguns lugares (nações) chamam a isso de "velhos e bons tempos", mas honestamente creio que esta bondade é produzida pela severidade experimentada! Quase todos passámos por dificuldades financeiras e a manutenção do básico da vida requer trabalho constantemente. Essa experiência comum produz dentro de grande parte da minha nação um senso de empatia de uns para com os outros. A polidez e a gentileza são muito mais comuns; os direitos da outra pessoa são grandemente respeitados. E, falando de respeito, as mulheres são consideradas damas. Os homens moderam o seu vocabulário quando vêem mulheres por perto e procuram ser cavalheiros, afastando-se ligeiramente do caminho como gesto de respeito ao encontrá-las na estrada, abrindo alas e cedendo lugares nas esteiras para que elas se sentem. Hoje, essas atitudes de cortesia são consideradas anacrónicas, se eu, esquecer que os tempos são outros e me atrever a esperar que me abras a porta ficarei plantada na espera. Perdoa-me amor, pensei que fosses um cavalheiro! Condescendência. Esta é uma palavra que seguramente é de difícil compreensão nos dias de hoje. Estamos muito atarefados correndo atrás das nossas ambições de ter dois carros (ou mais) na garagem e uma antena de TV que capte sinais de satélite! Se entrarem ladrões na casa do vizinho e fizerem uma limpeza lá - é problema deles. Acredita se quiseres, houve um tempo - não tão longe assim - quando as pessoas se respeitavam e se valorizavam.



Fazíamos Qualquer sacrifício para nos ajudarmos em casos de necessidade. Hoje, ninguém está muito preocupado com os outros – estejamos bem ou mal! Ser mesquinho hoje é uma virtude, como resultado, poucas pessoas agora param para considerar o quanto Deus tem nos abençoado. Temos muito mais tempo livre do que tinham os nossos pais, proporcionado pelas novas tecnologias! Entretanto, em vez de aproveitá-lo, redobramos nossos esforços trabalhando em horas extraordinárias para ganharmos mais e podermos gastar mais! Uma pessoa famosa, cujo nome não me lembro, disse: "Não há esperança para o homem que já está satisfeito". Isso bem poderia ser o lema em algumas nações hoje. Corremos de um lado para outro, parecendo formigas que tiveram o seu formigueiro destruído, muitos privando-se do sono e outros voando no "piloto-automático" para decidir o que vão comprar a seguir. Poucos parecem satisfeitos com o que já têm e estão literalmente enlouquecendo e tentando adquirir tudo. Vês algo errado neste quadro? A revelação é que estamos no caminho para a destruição.






*Suzete Madeira*


*(Poetisa e contista da nova vaga moçambicana)

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 João Neves



5 comentários:

  1. "Fazíamos Qualquer sacrifício para nos ajudarmos em casos de necessidade. Hoje, ninguém está muito preocupado com os outros – estejamos bem ou mal! Ser mesquinho hoje é uma virtude, "

    Eu não sou macua mas subscrevo as palavras deste macua. Era assim que nós éramos lá em Cheringoma- Sofala.
    Gostei.
    João adorei as fotos.
    Sabes, tb tenho no meu arquivo de fotos a mulher com o turbante e a capulana é assim que vou vestida no próximo encontro.
    Bjinho
    Alda

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  2. "...Está a Chover na minha terra?..."

    Curioso...esta foi uma das frases que mais me emocionou neste post.
    Porque, instintivamente deu-me uma vontade enorme de perguntar ao Hélder Meneses “Hei…Hélder…está a chover na minha terra?...”.

    Instintivamente também, peguei no telefone e liguei ao Hélder…para Nampula…mas aquele malandro não atendeu…
    Só queria perguntar-lhe se estava a chover na minha terra…
    …acho curioso…quando as saudades apertam e a nostalgia chega…o primeiro sinal da minha terra é o cheiro da terra molhada depois de uma chuvada…aquele cheiro característico que nunca mais senti aqui neste velho continente…quando em conversas informais com gente da minha Tribo…as primeiras frases que se ouvem ao recordar a nossa infância são estas…”…aquele cheirinho a terra molhada depois de cair uma chuvada…”.

    Esse cheiro estou agora a senti-lo…

    Se o meu amigo e irmão Hélder alguma vez tiver a oportunidade de ler este comentário…deixo-lhe aqui uma simples pergunta…e se a resposta dele aqui vier transcrita serei feliz.

    “HEI…HELDER…ESTÁ A CHOVER NA MINHA TERRA…MEU IRMÃO?”

    João Neves

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  3. OLHA JOÃO AQUI VAI UMA SUGESTÃO.
    UNIMOS TODOS OS MACUAS DA NOSSA GERAÇÃO E VAMOS PARA A NOSSA TERRA, ISTO AQUI JÁ DEU O QUE TINHA A DAR.
    UMA BEIJOCA A TODOS OS MACUAS.
    SÃO RAMALHO

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  4. Ao João Neves,
    Ainda em Julho 2009 estive com o Hélder sentada no seu acolhedor gabinete de trabalho, ele continua um homem lindo, cada vez mais bonito e aqueles cabelos que se mantem grisalhos, há tantos anos, nunca mais ficam todos brancos, eu acho que ele nos anda a enganar a todos.
    Prometo que quando voltar a passar por Nampula (nossa nação) dar-lhe-ei um abraço e vou com certeza deixar-lhe este endereço para que ele visite este sitio.

    Para a Linda Alda,

    A capulana, a magica capulana. Que magia tem esse bocado de pano quando enrolado sobre o corpo da mulher macua.
    Sabe Alda, 'e so quando amarrado sobre as ancas da macua, sobre a cabeça da macua e sobre o dorso da macua, ela fica explendidamente linda, maravilhosa, e um espectáculo olhar para uma mulher macua adornada com as suas capulanas coloridas. Que privilegio sinto por pertencer a esta nação.

    Poderosa Sao,

    Quem nos dera pudessemos largar tudo e retornar aos lugares que amamos e aos lugares aonde nos sentimos amados.
    Aqui 'e assim. Chegaste, tens de comer, beber, e se possível fora dormir.
    Como Nampula precisa de nos....Como Moçambique esta necessitada da sua gente, de gente que a queira bem, que lute por ela que cuide dela, gente verdadeira que de a sua vida por ela.
    Bem hajas querida ... Que Possamos um dia encontrarmo-nos neste lugar. Quem sabe.

    Suzete Madeira

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  5. Obrigada Suzete pelo seu comentário. Hoje não sei porquê estou triste... é a nostalgia.... aqui faz frio e este país não me diz nada.
    Digo-lhe, existem amarras que me prendem neste momento aqui, mas, ainda não perdi a esperança de voltar. Voltar para ficar...
    Bjinho para si Suzete

    Alda

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