sexta-feira, 24 de junho de 2011

Inhamata

De tempos a tempos as lembranças assolam-me a alma, como se de um relâmpago se tratasse e revejo acontecimentos da minha África tão longínqua…na minha infância e pré adolescência!

Esta história vou narrar, porque um dia destes remexi no passado, remexi nas gavetas lá de casa (dos meus pais) e encontrei umas fotos impressionantes: meu pai a exibir um dos seus troféus de caça. Uma jibóia enorme com alguns 3 metros, morta por ele e á paulada! Lembro tão bem de ele contar esta história!
Lá para as bandas do rio ao Sul do Save, em tempos, existiam algumas povoações, relativamente próximas, o que quer dizer que distavam mais de 200 quilómetros umas das outras, mas em África isso significa que é “ali”.



“INHAMATA”era o acampamento habitado pelos meus pais, já que meu pai era sócio de uma firma sediada em Lourenço Marques, mas era inevitável a permanência dele em acampamentos pelo mato, onde procurava e tratava as madeiras exóticas, que depois eram exportadas…
Eu apenas ali passava as férias e por isso vagas lembranças tenho de “INHAMATA”, mas recordo uma casa grande, toda ela de madeira, mas não era uma madeira qualquer, era daquelas madeiras que duram vidas, com uma enorme escadaria na parte frontal e outra igual nas traseiras!
Tinha um pormenor muito importante: era assente em estacas, tipo “palafitas” e isso provocava-me muitos pontos de interrogação, pois o mais certo seria uma casa assim ser construída numa lagoa, mas ali!! Num terreno tão seco e vegetativo? Mas claro que isso tinha uma explicação e que o meu pai me dava mas que não encaixava cá dentro muito bem: É que em época de muita chuva, formava-se á volta do acampamento uma enorme lagoa, e realmente…houve uma época em que, eu não estava presente, mas minha mãe ainda hoje fala muito nisso: ela e meu pai estiveram mais de 15 dias sem poderem sair de casa!!
As lembranças mais vincadas daquela casa eram os enormes e horripilantes estalos que a madeira dava, provocando-nos sustos de morte, mas depois que nos habituávamos, convivíamos com aquilo facilmente…a explicação que o meu pai nos dava para perdermos o medo, era que a madeira estalava com o calor abrasador que se fazia sentir!
Tinha lógica…mas o que não tinha lógica era eu por vezes, no quarto onde dormia, acordar e sentir que me mexiam no cabelo, eu olhava em volta e não via ninguém! Meu pai dizia que eu era tonta e que devia estar a sonhar…


Em pleno mato e onde por vezes os alimentos tardavam em chegar, já que se começava a viver tempos conturbados por causa da guerra que vinha descendo das terras do norte, minha mãe para assegurarem o próprio sustento, improvisou um forno para cozer pão, que consistia num bidon, com fundo, deitado na horizontal e enterrado até meio na terra, fez um lastro com matópe, improvisou uma porta com a parte de cima, que ela havia pedido a alguém para cortar e assim havia sempre pão fresco em casa, carne também não faltava, uma vez que meu pai era caçador e caçava os changos e os cabritos do mato, que tinham uma carne branquinha e era saborosa…
Aos fins-de-semana juntávamo-nos com outros europeus, na “CHIRINDA” uma povoação com campo de aviação, onde aterrava todas as semanas uma avioneta com tudo o que se necessitava!


Lembro de passar temporadas na “CHIRINDA” em casa do Sr. Oliveira, onde me juntava a duas miúdas mais velhas, vindas não me lembro de onde e tínhamos o hábito de “roubar” um jipe descapotável velho que por lá existia e por entre os coqueiros e palmeiras, com manobras inexperientes que até dava vontade aos negros de taparem os olhos com as mãos quando por eles passávamos, lá seguíamos em direcção ao campo de aviação para aí darmos azo a adrenalina que provocava em nós a velocidade que o jipe conseguia nos dar, e de cabelos ao vento era uma sensação de pura liberdade! Éramos nós, a planície, o firmamento e a loucura do momento!
Existia ainda uma outra povoação, onde nunca cheguei a ir, de nome “MACHANGA”, mas lembro e muito bem da convivência que tínhamos com o administrador e família de lá e do trágico acidente de que foi vitima nas cheias do “LIMPOPO” num dos anos em que tentava socorrer as pessoas, uma das hélices do helicóptero partiu e foi direitinha ao pescoço dele decapitando-o…



Mas a história da jibóia…pois a finalidade é contar essa história, começou porque bem pertinho da casa que habitávamos na “INHAMATA”existiam uns cajueiros rodeados de robustos arbustos onde ela se refugiava, talvez para fugir ao calor. Alguém que deu com ela, comunicou ao meu pai que, destemido como era avançou com um pau pontiagudo na mão, e metendo-o por entre os arbustos com o intuito de a fazer aparecer, rapidamente ela se mostrou, de boca arreganhada e língua de fora, meu pai recuava quando ela se mostrava em posição de ataque, mas avançava e picava-a sempre que ela se propunha fugir…andou naquilo algum tempo até que resolveu largar o pau e começou a puxa-la pelo rabo, por varias vezes, não a deixando ir longe, mas as mãos escorregavam naquela pele viscosa e húmida…não achando outra alternativa, pensou que o jeito era tentar esmagar-lhe a cabeça e procurou fazer isso com o pau, mas ela parecia ler-lhe os pensamentos e escondia a cabeça…não foi fácil, mas depois de varias tentativas e decorrido, sabe-se lá quanto tempo, finalmente conseguiu apanhar-lhe a cabeça a jeito e esmagou-a, ficando assim aquele monstro aniquilado!
O que foi feito da pele?
Lembro que o meu pai a mandou curtir… não sei o fim que levou…

Depois que abandonamos definitivamente “INHAMATA”, meu pai acabou por nos contar que se dizia por aqueles sítios que a casa era assombrada e…ainda hoje estremeço ao lembrar-me daqueles estalos da madeira, dos saltos que dava na cama quando acordava com aqueles estrondos que mais pareciam trovões ribombando em cima de nós!
Num entardecer suave e ameno em que esperávamos calmamente sentados na escadaria das traseiras da casa, pela noite que se avizinhava, uma enorme e negra ave, saiu alvoraçada de entre as nossas pernas e sumiu-se no horizonte…meu pai atirou para o ar um “figas diabo” e nós atónitos apenas nos interrogámos com os olhos e comentamos no momento, que raio teria sido aquilo?! mas rapidamente deixamos de falar no assunto como se de uma coisa natural se tivesse tratado, mas não! de natural aquilo não teve nada!

E África era toda esta simplicidade, toda esta liberdade, todos estes perigos e mistérios…

Vivia-se uma vida tão simples...tão pacífica...tão calma...tão desprovida de luxos...e éramos tão felizes!
Mas que magia tinha aquele mundo que apesar dos pesares nos deixou a todos que por lá passamos tantas saudades?
…por isso eu por vezes digo:


África não se explica! África sente-se…


Nos mil e um ruídos que ecoam na noite…nas trovoadas tropicais que parecem autênticos dilúvios de água morna e nos fazem crer que o mundo vai desabar…no som dos tambores das batucadas ao longe pela noite a dentro…no clarão das queimadas sumido no horizonte…no coaxar das rãs nos machongos…nas corujas que vêem de encontro ao pára-brisas encandeadas pelas luzes dos faróis quando se viaja de noite pelas picadas intermináveis…no cheiro da terra molhada de que tanto se fala, mas só cheirando se consegue ter uma verdadeira noção…na convivência com as osgas que coabitam as nossas casas e nos parece normal…longos tules brancos pendentes do tecto para nos proteger dos mosquitos enquanto dormimos…no cheiro da formiga cadáver quando esmagada…tudo isso é África…


África é muito mais ainda… é régulo, é marimbas, é capim, cacimbo, embondeiro, é lagoas enormes que asseguram a sobrevivência das feras em plena selva, é planícies a perder de vista, é florestas tão densas que nem um raio de sol consegue penetrar e ir beijar o chão, no entanto as plantas crescem verdes, viçosas e nos oferecem os seus cheiros típicos e o seu oxigénio puro, é onde o céu é mais azul e o sol brilha mais, é coqueiro, jambalau, sura, praias desertas de sonho, de águas calmas, mornas e cheias de vida marinha, lanho, machamba, mandioca, matapa, capulana, machibombo, marula, um amanhecer esplendoroso, o por do sol mais lindo que alguma vez vi…

África…Moçambique… o nosso paraíso perdido, está lá!

Continua lá…apesar de nos parecer tãooo longeee…está apenas a 10 horas de distância!
E pensem que: querer é poder, por isso n desistam de realizar o vosso sonho...
Eu voltei… contra tudo e contra todos, voltei…fui reviver, por poucos dias, o meu sonho africano, e fui tão feliz!


Maria  Vieira

sexta-feira, 17 de junho de 2011

JUVENTUDE INCONSEQUENTE

Acabava de chegar…

Desolação, tristeza, lágrimas de raiva e frustração eram as minhas companheiras...
Dias intermináveis em que deixava o desanimo tomar conta de mim e na velha lareira da minha humilde casinha que me acolheu na aldeia, o tempo passava por mim e eu, sem me dar conta, de tão abstraída estar da realidade, nada fazia…apenas deixava passar o tempo com os olhos presos á lenha que crepitava na lareira.
Dias e dias de intenso inverno que em Março ainda se fazia sentir, que no fundo já eram mais amenos mas, para mim, o inverno tinha começado mal eu metera os pés fora do avião naquele inicio de Março de 76...
Meu Deus…como eu ainda choro ao recordar!!
Até para nos aquecermos nas longas noites de gelo, as peles dos animais que o meu pai tinha trazido para cá como troféus das suas proezas como caçador em África, eram as nossas mantas!
Muito a custo despertei e segui em frente, pois apercebi-me que era o mínimo que podia fazer por mim, e com a morte na alma comecei a aceitar as coisas e as pessoas que me rodeavam

Todos os dias percorria 2km a pé debaixo de chuva, gelo, vento, por estrada barrenta que nunca tinha visto alcatrão, para ir apanhar o autocarro que me levava á cidade onde era o liceu.
Foi muito dura a adaptação, mas com a convivência dos colegas, começava a integrar-me.
No entanto sentia-me, interiormente, tão carente, tão desesperada, que se não arranjasse algo forte que me ocupasse os pensamentos e me ajudasse a construir castelos de sonhos, me desmoronava completamente.
E…
Foi quando reparei em alguém, na sala de convívio do liceu…
De estatura mediana, tinha um jeito característico de ser que encantava quem o rodeava
Sempre cercado de miúdas que eram como moscas á sua volta e ele sempre distribuindo sorrisos, piscadelas de olho, beijos e abraços, sem quê nem porquê…
Que olhos!!
Verdes como enormes lagoas de águas cristalinas e superficiais, salpicadas de nenúfares amarelos.
Boca carnuda que quando se abria num sorriso, nos obrigava a sorrir também
Aquela voz melodiosa com sotaque francês, ficava gravada na nossa lembrança desde o primeiro instante
Aquele jeito de andar meio gingão que eu comparava a um bailarino sempre a ensaiar os passos da próxima dança
Ah! e aquela samarra quentinha com gola de pele de raposa que ele usava e que as miúdas faziam questão de experimentar…
Inicialmente, achei-o tão infantil, tão metediço, tão vaidoso, que num primeiro impulso senti desprezo e jamais seria uma das que esvoaçavam á volta dele.
Mas o destino quis que ele usasse o mesmo autocarro que eu, e rapidamente, reparou em mim
Nem queria acreditar quando um dia em que voltávamos para casa, ao entardecer, depois de um dia de aulas, ao entrar no autocarro, fez-me sinal para me sentar junto dele e nos dias seguintes sempre a mesma coisa, e oferecia-me a samarra emprestada para eu não ter frio durante os 2km que ainda iria percorrer a pé, já que a paragem dele era mesmo ali…mas não, nunca vesti aquela samarra!!
Logo pela manhã todos os dias era brindada pelo sorriso e o bom dia de hálito fresco, com cheiro a pasta de dentes, e como eu já gostava daquilo!!!

A vida foi-se tornando mais bela
Fui sonhando acordada..
Já tinha um mundo só meu!
O dia a dia tornava-se menos duro
O sol começava a brilhar de novo
E…
Eu já não via mais nada á frente!…
Como ignorar aquela atenção que me dispensava sistematicamente?!
Quando aparecia na sala de convívio com um bolo que comprara para mim, quando me dizia” se não vais ter aula agora, eu fico contigo para não ficares sozinha”, mesmo quando estávamos em grupos de amigos distintos, havia sempre, mesmo de longe, um acenar de mão, aquele jeito tão peculiar nele de inclinar a cabeça e sorrir…
Havia como que uma cumplicidade grandiosa entre nós que jamais soube explicar.
Fiz meus, os amigos dele, para mais perto dele me encontrar.
As festas que organizava em sua casa, os piqueniques que fazíamos, aquele anexo da casa, que lhe foi cedido pelos pais para juntar os amigos e que fomos decorando todos juntos, com luzes psicadélicas, almofadões pelo chão, uma lareira sempre acesa no Inverno, passou a ser quase a razão do meu viver.
Tinha encontrado uma forma de me enraizar naquele novo mundo quase pré-histórico que me acolheu, mas com o passar do tempo as coisas foram mudando um pouco, pois perdida de paixão, mas ainda com uma nesga de raciocínio fui percebendo o quanto algumas coisas estavam a mudar.
Eu sabia que era apenas uma amiga, mas amigos não passam horas de mão dada numa discoteca, não andam pelas ruas de mão dada, nem tão pouco trocam um beijo, o meu primeiro beijo, que se existe sétimo Céu, então eu fui ao sétimo Céu, senti-me flutuar acima da realidade, o mundo parou naquele momento e ouvi campainhas, não sei vindas de onde, ouvi cânticos celestiais descendo por um arco-íris de cores inebriantes, foi o meu momento supremo de êxtase …
Foi, depois desse beijo, o marco que separou a menina da mulher que eu já era e ainda não tinha percebido.


Depois, tudo mudou.
Ele mudou…

Tinha o Céu e o Inferno a contra-pesarem e ao mesmo tempo a destruírem todos os sonhos que eu construíra sem bases, sem alicerces, apenas assentes no meu querer. O Céu quando era merecedora das suas atenções, o Inferno quando parecia que nem me via e ele passou a ser assim: Tão depressa largava tudo e todos para estar comigo, como passava por mim, fazia “olhinhos” e de seguida era como se não me conhecesse, como se eu não existisse e, eu sentia-me morrer aos poucos!
Todo este sentimento que me dilacerava o coração e com todos os dissabores da minha vida, eu sentia que uma terrível depressão ia tomando conta do meu ser.
Ela veio, instalou-se e quase me destruiu, quase enlouqueci…
Não vou relatar, nem sequer vou tentar tirar do meu esquecimento tudo o que se seguiu, pois foi tão mau, tão terrível que jurei a mim própria jamais recordar…
Fugi…
Tinha que fugir.
Se queria encontrar-me novamente, tinha que ir para bem longe, ainda que todo o meu ser me dissesse “fica” a pouca razão que ainda me restava dizia “vai”…
Passava largas temporadas fora, mas quando voltava, sentia que me abeirava de novo do abismo, pois em qualquer esquina da cidade deparava com ele, sempre cordial, sorridente, cheio de novidades, novos amigos, novas namoradas…
E, eu fugia de novo, não dele, mas de mim própria, do que ainda sentia…
Com tudo isto passaram-se quantos anos?!! Cinco…seis?!!
Já nem sabia!
Já não era aquela menina sonhadora, aprendera á custa de tantos “pontapés”que os sonhos se sumiam como a água que escorre por entre os dedos e desaparece na terra seca e árida
Deparei-me com uma nova mulher, os meus princípios de menina certinha, pudica, coerente, responsável, deram lugar a uma pessoa seca, rude, agreste e um pouco irresponsável, que tanto se lhe dava ir para a esquerda, como para a direita!
Voltei decidida a conquistar o meu quinhão de felicidade junto dele, ainda que, por pouco tempo! Que importava se ele não me amava! eu amava pelos dois! E que importava se eu seria mais uma que lhe passava pelas mãos?!!
Não admitia que nada nem ninguém interpelasse os meus pensamentos e me dissesse ou fizesse ver o quanto eu estava errada!
Já sabia nessa altura que os caminhos que ele trilhava o estavam a levar por um caminho que possivelmente não teria retorno, mas que me importava isso?
Foi assim que tempos mais tarde me vi num café da cidade esperando por ele, para seguirmos juntos uma estrada que para mim já se adivinhava ladeada de flores coloridas tal se sentia o meu coração


Ah juventude!
Quanta vontade de saciar aquele sentimento que me consumia…
Hoje, quando os pensamentos se atropelam e a saudade me invade, rabisco os meus caderninhos onde sempre escrevia as pequenas vitorias e grandes derrotas daquele tempo, deparei-me com estes versos que um dia escrevi…

Dia 24 de Agosto de 1983

Fiquei esperando no Café Jardim
Ouvi o telefone tocar
Não esperava que fosse para mim
Ao ouvir tua voz
Meu coração estremeceu
Disseste: -espera por mim!
Vou mais tarde, pois algo aconteceu.
Não quis saber que algo foi
Pois eu já estava maravilhada
Só de pensar que iríamos percorrer
Juntos aquela estrada
Nervosa e impaciente
Eu fumava um cigarro
A todo o momento eu esperava
Ver surgir o teu branco carro
Que intermináveis me pareceram os minutos
Em que esperei por ti
Mas mais longos foram os anos
Em que pensando em ti sofri
Finalmente tu surgiste
Calças pretas, camisa cor do mar
Dirigiste-te para mim
Deus!!! Como vou deixar de te amar?!!
Nossos olhos se fixaram
Nossos rostos se aproximaram
Recordei aquele dia
Em que nossas bocas se juntaram
E lá seguimos no “Fiat Mirafiori”
Aquela estrada sem fim
Quem dera que fosse verdade
Pelo menos para mim!

Foram dias de intensa felicidade na praia, pesca submarina que ele fazia com os amigos que estavam connosco, enquanto alguns de nós os esperava-mos naqueles rochedos junto á praia…
Calcorreávamos as ruas repletas de gentes, turistas e veraneantes, subíamos e descíamos o elevador do Sitio até á praia sempre em espírito de camaradagem e extrema alegria. As noites sempre diferentes, discotecas, cinemas, grandes jantaradas, momentos inesquecíveis que partilhávamos todos até quando eles faziam os charros para eles, com a “erva” que eu carregava nos bolsos do meu blusão de ganga, nem sequer me passava pela cabeça o perigo que eu corria se fosse apanhada pela “bófia”…
Mas…
A dura realidade
Uma das suas me aprontou
Foi aquele amor lindo
Que repentinamente findou…
Eu Jurei a mim própria
E até uma vela a Nossa Senhora ofereci…
Nunca mais recordar
Nem chorar por ti…



Derrotada, mas consciente que me livrara de um furacão que me arrastava para o mesmo buraco negro em que ele se afundava, fui á minha vida.
Não posso dizer que foi fácil, mas resignei-me…
Quanto mais vontade tinha de me aproximar de novo, mas distancia eu me forçava a impor entre nós, pois percebia nitidamente que ele não me queria levar com ele. Numa réstia de sensatez arranjou maneira, e que maneira!...para eu me afastar de vez.


Anos mais tarde, ainda na mesma cidade deparo com ele de novo, mas minha vida já era outra, não tinha esquecido, isso nunca!! Mas sentia-me tranquila, muito feliz até com a minha nova vida. Tomamos um café juntos, falamos de nossas vidas, a dele sempre errante, ansiando por novos horizontes todos os dias… soube depois que usava sempre camisolas de mangas compridas para esconder as marcas das seringas com que injectava as drogas que lhe corriam nas veias…
Anos mais tarde ainda soube que falsificava a assinatura do pai nos chorudos cheques que levantava para comprar drogas e manter aquele antro de autenticas orgias em que se tornara a sua vida.
Depois…numa derradeira tentativa, o pai mandou-o para bem longe, para Itália, para um centro de desintoxicação e daí para França, o seu país, onde, do jeito dele organizou a vida.

Não mais o vi, mas sei que vem todos os anos de férias. Não mais me deparei com ele nas ruas da cidade, mas todos os inícios de cada Agosto de cada ano eu penso que eventualmente o poderei encontrar.
Devolvidos mais de 17/18 anos em que o vi pela última vez, por vezes ainda sonho com ele…mas nos sonhos ele está sempre tão distante, sempre inatingível!

…mas o meu despertar é sempre tão feliz, tão doce, tão sereno que se estende pelo resto do dia…
Porque será?


M.V.