segunda-feira, 25 de março de 2013

As tradições dos Macuas


As tradições dos Macuas
Por: ALBERTO VIEGAS

Os Macuas - povo da floresta - são uma tribo de origem banta. Em tempos habitavam na zona dos Grandes Lagos (República Democrática do Congo). Depois deslocaram-se em direcção ao sul da África. Actualmente são o grupo étnico mais numeroso de Moçambique. Eles são um povo caracterizado pela sua inclinação natural para o sorriso, que se traduz muitas vezes em sonoras e prolongadas gargalhadas.

Para a tribo Macua, o sorriso é um sinal de amizade e de que se pode criar uma boa relação. Quando chega alguém que não conhecem, sorriem-lhe na mesma. Deste modo, ele saberá que não tem nada a temer.
Os macuas recorrem também ao sorriso para apagar as ofensas. O ofendido, por sua vez, espera que aquele que o ofendeu lhe retribua outro sorriso para demonstrar que não queria ferir-lhe o coração. Basta um sorriso e acontecerá a reconciliação.
 
Há, porém, momentos em que os macuas não riem nunca: perante uma pessoa com deficiências mentais, um idoso ou durante uma celebração solene.
A hospitalidade é outro valor muito importante para a tribo macua. Por mais pobres que sejam, todas as famílias possuem sempre uma habitação reservada para os hóspedes, os parentes, os amigos ou os peregrinos e partilham com eles tudo quanto têm, a ponto de oferecer ao recém-chegado a própria cama, onde eles dormiram nessa noite.
Quando um desconhecido chama à porta da cabana, se tem saúde, os donos da casa perguntam-lhe onde vivem os seus parentes. Mas se é um doente, não lhe fazem qualquer pergunta. Acolhem-no sempre.
Se a família está a tomar uma refeição, o hóspede não pode recusar-se a tomar assento e comer com eles, tomando o alimento do prato de onde se servem todos, o qual está colocado ao centro. Se, porventura, o hóspede recusa, isto é uma grave ofensa para a família que o acolhe. Mesmo que não tenha apetite, deve lavar as mãos, comer do que a mulher cozinhou e voltar a lavar as mãos.

A saudação entre as pessoas é feita quase que ao modo de um ritual. Quando saúdam um chefe ou cujo cargo obriga a uma consideração particular, fazem-no de modo humilde e respeitoso. Se se aproximam de frente, acompanham as palavras de saudação com um rítmico bater das mãos.
 
Aquele que encontra um grupo de pessoas reunidas, sempre que alguém do grupo se aproxima para o saudar, pousa primeiro no chão, a uma certa distância, tudo o que leva na mão. Saúdam-se sempre com a mão direita, a mão forte, mostrando claramente que não guarda nada contra ele. O saudado não tem nada a temer.
Se a saudação for feita com a mão esquerda, considerada a mão débil e inofensiva, pode sugerir que na outra mão há um punhal. O melhor é usar sempre as duas mãos, infundindo deste modo maior confiança e tranquilidade.
 
Os anciãos recebem uma grande veneração entre os macuas. Ninguém dirige a palavra a um ancião estando de pé. Este sentir-se-ia ofendido. Pelo contrário, aquele que lhe fala senta-se ou põe-se de cócoras.
Nas refeições, o primeiro a lavar as mãos, na única bacia que passa por todos, é o ancião. Também é ele que se serve primeiro dos alimentos e que dá início à refeição. Ao ancião, compete ainda ser o primeiro a terminar a refeição. Todos os outros, mesmo que não tenham apetite, devem continuar a comer. O ancião merece todo o respeito.
No dia-a-dia, quando um jovem está sentado numa cadeira, numa pedra ou no chão, mas num lugar mais elevado, quando passa um ancião terá que descer e, pelo menos, pôr-se de cócoras.
Um valor muito importante entre os macuas é a solidariedade. Unem-se solidariamente de modo particular face à doença. Quando numa família alguém adoece, todos os vizinhos se sentem obrigados a fazer-lhe uma visita, de manhã cedo ou à tardinha. E ninguém vai de mãos vazias, mas com comida, água, lenha...
Se o doente piora, o chefe da família vizinha e outros adultos dormem junto à casa, velando no aprisco e sempre prontos para prestar uma ajuda quando for preciso.
No caso de morte, a solidariedade aumenta. Há quem se ofereça para ir avisar os parentes que vivem mais longe. Outro cava a sepultura. Outro ainda encarrega-se de arranjar o lençol para envolver o defunto. Entretanto, já se reuniram as pessoas que lavarão o corpo. As mulheres vão buscar a água e preparam a comida para todos os presentes.
 
Depois do funeral, os parentes e vizinhos passam três noites consecutivas na casa da família enlutada. Ao quarto dia, varre-se a casa e limpa-se o pátio. Passado um mês de luto, corta-se o cabelo à viúva e aos outros membros da família e os hóspedes regressam às suas casas.

 
 
 
 
 

sábado, 16 de março de 2013

Joana Simeão...e o 7 de Abril...em Moçambique...


...à procura da verdade...um simples contributo para a história...em homenagem a todos aqueles que sofreram na carne...a todos os que perderam a vida por...um País mais livre, justo e fraterno...


"Aos alunos…Dra Joana Simeão.
Dei hoje a minha demissão.
Chegou a hora do adeus.
Passámos juntos horas de franca camaradagem, misturadas de momentos de guerra fria , sem dúvida.
Agradeço-vos estes momentos de vivência profunda.
A hora é grave.
Eu estou a 100% no combate por um Moçambique Livre, Justo e Fraterno.
Notas (escolares): Serão justas. Ninguém ficará lesado.

Abraços Joana Simeão"




A Mulher é a guardiã  da espiritualidade humana.
É a matriz da vida.
É a personificação da grande Deusa.
É a que acolhe, cria e desenvolve os processos de vida.
É a perfeição mais perfeita e completa do Universo.
Contudo, todos estes atributos podem não passar de poesia quando olhamos para o passado e presente da mulher no nosso país.
Esta reflexão vem a propósito de mais um 7 de Abril, dia consagrada pela Frelimo como sendo o dia da mulher moçambicana.
Em Moçambique, na fase pós-independência, a constituição da primeira República estabeleceu direitos iguais para homens e mulheres. Não obstante este facto, a situação da mulher em Moçambique continua a ser influenciada predominantemente pela tradição e pelas atitudes e estruturas do passado. A falta de capacidade de gerência para o melhoramento das receitas e da segurança alimentar das famílias; a persistente divisão do trabalho na base do género; o analfabetismo, o HIV/SIDA e a mortalidade materno infantil têm constituído obstáculos para a participacao da mulher em novos empreendimentos e na vida pública. Os dados oficiais apontam que Moçambique tem mais de 19,889 milhões de habitantes (2006). Mesmo considerando a existência de alguns centros urbanos relevantes como Maputo, Beira e Nampula, a maior parte da população vive nas áreas rurais, distante das principais vias de comunicação. E, para o “agrado” do “género masculino”, a maioria de cidadãos é constituída por mulheres.
Sendo a maioria de cidadãos residentes em áreas rurais, não deixa de ser conveniente, oportuno e urgente apelar que se reforce o olhar para o empoleiramento da mulher a partir do própria zona rural. É um exercício difícil se feito a partir do ponto em que me encontro (cidade capital e zona privilegiada dessa cidade). O que me importa afirmar nesta data consagrada a mulher em Moçambique é que chega de discursos prenhes de maquiavelismos, com alguns a acumularem privilégios pessoais nas cidades em nome da mulher rural. Na verdade, o que se assiste é uma grande exclusão deste grupo de mulheres na gestão e solução dos seus próprios problemas, quer à nível local, nacional e internacional. Penso que é tempo da mulher rural ocupar o seu espaço, na qualidade de legítima porta-voz dos seus problemas, e não permitir que o seu espaço continue a ser usurpado por mulheres que nada têm a haver com a sua realidade. E pode-se tomar como exemplo o que existe noutros quadrantes. Os governos da Índia, China, Bangladesh, Brasil e alguns países da América Latina são pioneiros na promoção da mulheres rurais, criando-lhes condições para a sua participação directa nos fóruns regionais, internacionais e outros, como forma de as estimular na área especifica em que estão inseridas, pois entende-se que a zona rural é a base de desenvolvimento dos subdesenvolvidos.

No nosso país, infelizmente, as coisas estão invertidas. Os grupos que participam nestas cimeiras importantes de desenvolvimento ao nível mundial são constituídos por senhoras residentes em capitais provinciais, senão mesmo apenas na cidade capital do país (Maputo), preterindo-se a mulher rural que sofre na carne a “dor” de ser mulher numa sociedade em que a tradição dá privilegio ao homem.
A mulher moçambicana, como em outros países do continente africano, participou na luta de libertação nacional, assumindo tarefas femininas e outras directamente relacionadas com a actividade militar. A maioria das guerrilheiras não tiveram uma evolução notória no panorama político e social moçambicano. Com a excepção de Graça Machel (que pouco se sabe o quanto se embrenhou pela matas de Cabo Delgado e Niassa a procura da independência), nenhuma das guerrilheiras que lutaram lado-a-lado com homens naqueles tempos dificeis atingiu, após a luta de libertação, um lugar de destaque no panorama político do país. Quanto muito, ocuparam alguns cargos de direcção (femininas, entenda-se) e de subalternidade na ex-Assembleia Popular durante a vigência do sistema mono partidário. Isto visava apenas emprestar certa credibilidade ao consagrado na constituição. Tal como jamais se admitiu uma mulher chefe de família, as mulheres na era samoriana mantiveram-se da mesma forma submissas ao homem.
Na esteira do actual debate de quem deve ser considerado herói nacional, comemora-se hoje o 7 de Abril dia morte de Josina Machel, considerada Heroína pelo partido Frelimo dentro de um específico contexto Histórico.
O que se sabe e que se lê sobre Josina Machel é que foi esposa de Samora Machel; que foi uma das mulheres que “revolucionou” o papel da mulher na luta de libertação nacional. É dito também que foi uma das fundadoras da OMM e que morre vítima de doença a 7 de Abril 1971. Não se conhece discurso político nenhum desta “heroína”, para além de algumas pessoas que com ela privaram afirmarem que não passava de uma pessoa como outra qualquer, que teve apenas a “sorte” de ser a esposa do então líder.
Nesta data de 7 de Abril, o que pretendemos e o que questionamos é a heroicidade de Josina. O que diferenciou Josina de outras mulheres combatentes naquela altura que também participaram na luta pela independência? O que fez dela uma mulher especial e que as outras não fizeram? Infelizmente, até hoje, ainda não existem estudos que nos mostrem uma grande diferença entre esta senhora e outras que também deram suas vidas heroicamente. Mas em Moçambique existem exemplos de mulheres de fibra. O exemplo da Dra. Joana Simeão pode se considerar um caso ímpar se visto com “olhos de ver” nos dias de hoje. Por conveniências políticas (neste país de todos nós), pouco se sabe sobre a trajectória dessa senhora, senão que foi reaccionária e traidora. Contudo, os poucos registos que existem ilustram que em 1974/1975 em Moçambique estava-se perante uma mulher de fibra, de facto, que na sua época havia ultrapassado algumas barreiras.
 


Com efeito, mulher moçambicana da etnia macua, Joana Simeão foi uma das poucas académicas de raça negra que se notabilizou nos anos 60 antes da independência nacional. Assassinada pela Frelimo por possuir uma visão política social diferente, se analisadas hoje os seus depoimentos televisivos e escritos, podemos chegar a conclusão de que se não lhe fosse tirada a vida seria uma grande mulher e, quiça, fonte de inspiração de muitas jovens, imediatamente após a conquista da independência. E, escusado é dizer o quão era necessário para as moçambicanas (na época) uma fonte de inspiração viva. Penso que Joana, muito teria contribuído para esta democracia nascida pela via do sangue e violência. De certa forma, embora alguns círculos ligados ao poder político em Moçambique comprometam-na com o regime salazarista (o que nunca se comprovou, documental ou detalhadamente), para todos os efeitos, Joana Simeão foi um caso excepcional da emancipação da mulher moçambicana. Contra toda a regra consuetudinária, foi a primeira mulher de Moçambique a bater-se, ombro à ombro, com homens na matéria de governação de um estado soberano. Na época, nenhuma mulher de raça negra, para não dizer de qualquer outra raça em Moçambique, foi tão longe quanto ela. Era uma mulher esclarecida que, não se comparando a muitas que viriam a ser cooptadas à heroínas por conveniências políticas, se pôs a brandir a sua valentia de não submissão cega. Tinha uma arma, o saber, que em 1975 teria sido uma mais-valia para a consecução do progresso da mulher em Moçambique. E, desde já, seria interessante que os jornalistas moçambicanos, sobretudo os ligados a estações televisivas como a STV, Miramar e outras, em colaboração com RTP, retransmitissem as entrevistas dessa figura, para que no presente todos possamos ajuizar. E isto pode ser feito por via de um programa específico, de natureza política e social, visando esclarecer os que não viveram na época os sinuosos caminhos da descolonização portuguesa. Aqui – proponho – chamar-se-iam também os que lhe vilipendiaram na época (muitos ainda vivem) para apresentarem os seus argumentos e documentos da então acusação.
Quando de fala de 7 de Abril e de heróis nacionais o que se pretende não é negar a eventual heroicidade de Josina. Tal como é discutível a sua heroicidade, pretende-se, acima de tudo, que haja uma data consensual alusiva a mulher moçambicana, de modo a que todas as sensibilidades da esfera social moçambicana se sintam identificadas. E, penso que isto não é pedir demais, pois após longos anos de colonização estrangeira, a mulher rural moçambicana, enfrentou inúmeras adversidades durante a construção do Estado independente; viveu uma ditadura do proletariado imposta pela Frelimo e posteriormente a guerra civil; passou pelo processo de mudanças quer no plano económico, político e social; passou por um estado de guerra de armas num sistema de partido único, para um estado de “paz aparente” num sistema democrático parlamentar, mas continua a enfrentar a pobreza; doenças endémicas e exclusão social, pois não obstante o processo de transformações do séc. XX, acompanhado pelo grande desafio que é globalização, ou mundialização neste limiar do sec. XXI, a mulher rural de Moçambique continua sendo o estandarte em que alguns se apoiam para alcançarem privilégios nas cidades capitais. Urge pôr fim a isto, e pôr a mulher rural a frente dos seus problemas. O sonho de Joana Simeão mantêm-se vivo.

*Linette Olofsson
Deputada suplente
Circulo Eleitoral de Zambézia

 
 
 
A certidão de óbito
A nota que a seguir se transcreve, aliás, se republica, 28 anos depois, é, de per si, esclarecedora.
“No espírito das tradições, usos e costumes da luta de libertação nacional, o Comité Político Permanente da Frelimo reuniu e condenou por fuzilamento os seguintes desertores e traidores do povo e da causa nacional, os quais já foram executados: Uria Simango; Lázaro Kavandame; Júlio Razão Nilia; Joana Simeão e Paulo Gumane. Em ordem a evitar possíveis reacções negativas, nacionais ou internacionais, que podem advir em consequência do fuzilamento destes contra-revolucionários, a Comissão Política publica esta acta como decisão revolucionária do partido Frelimo e não como acta judicial”, lê-se no referido documento.
 
Assumindo ser “necessário um «dossier» estabelecendo a história criminal completa desses indivíduos, assim como as suas confissões aos elementos do D.D/S.I que os interrogaram, declaração das testemunhas, julgamento e sentença”, o Comité Político Permanente do partido Frelimo ordenou ainda que “um comunicado deverá ser emitido pelo camarada Comandante-Chefe (Samora Moisés Machel), no qual se anunciará a execução dos contra-revolucionários acima mencionados”.
No mesmo documento lê-se ainda que “foi decidido nomear um comité para compilar o dossier e preparar a comunicação pública”.
“O camarada Comandante-em-chefe decidiu que o comité fosse dirigido pelo camarada Sérgio Viera e adicionalmente terá os seguintes camaradas: Óscar Monteiro, José Júlio de Andrade, Matias Xavier e Jorge Costa.
A Luta continua. Maputo, 29/7/80.
O ministro da segurança, Jacinto Veloso”.
 
...tenho um sonho...que os meus netos um dia leiam estes escritos e sintam o quão rica foi a minha vida na minha Pátria...se bem que...se me perguntarem o que é a minha Pátria...direi...não sei...

João Neves