domingo, 6 de maio de 2012

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Retalhos



Vou tentar em poucas palavras, descrever o que tenho para contar.



Estando eu na espera de um atendimento público, chama-me a atenção uma senhora, pela forma como descrevia ali a sua presença.
Sentindo-se acompanhada aproveitou a ocasião para ir desfiando um pouco das histórias, da sua solidão. Não lhe dei muita importância no momento, evitando que houvesse mais intimidade. Falou do amor d...a sua vida, de um casamento de 52 anos, sem mancha. Falava com ternura, com amor.
Mas às tantas, aborda a vida do filho, denunciando o rol de companheiras que tem, ao invés do exemplo de casa e que não se conformava. Aí, não suportei mais o meu silêncio e pedi-lhe que houvesse alguma brandura da sua parte em relação ao filho, pois provavelmente, ele tanto se esgota de viver à procura. Pedi-lhe que olhasse, por esse ponto de vista.
Com a minha observação, tinha acabado de fazer uma amiga!
Percebi de imediato que seria uma amiga especial.
Com a idade de 83 anos, nem sequer questionei o tempo da nossa recente amizade, podia ser uns minutos e de forma intensa, em que o carinho e a ternura se misturassem. E assim foi,em pouco mais de meia hora, uma intensa troca de afeto. Falamos desde a antena da televisão, até à roupa que está guardada para usar no dia do seu funeral, tudo foi dito e nada perguntado. Mas também me disse, que ouve a voz do marido, que é uma sua impressão, seja lá o que for verdadeira ou falsa, mas acalenta-a. Também me disse que o filho, único, nasceu no hospital e ao contrário de agora, naquele tempo, os nascimentos não se programavam, aconteciam.

Mas disse-me, o que eu julgo de mais importante. Um marido que nunca ousou questionar, o seu governar dos dinheiros e da casa, que nunca ousou bater uma porta com mais força, que nunca ousou desrespeitar. No meio daquele rol de uma graça de senhora, de um carinho imenso, às tantas diz-me:
Imagine e vê-lo nu, nunca o vi. Nem ele a mim. Bastava-nos apalpar para ver e tudo acontecia.
No atendimento onde nos encontrávamos, chamam pelo seu número e depois pelo meu. A conversa fica interrompida, julgando que jamais ela voltaria a falar-me.
Nisto, sinto uma mão no meu ombro, viro-me e com a mesma ternura, diz-me que se chamava Augusta, que ali perto vivia e questiona-me como me chamava.
Despede-se com um imenso sorriso terno, dizendo-me: -Gostei de Si!


Estes são os retalhos de hoje, de uma amizade que ficou eterna…



Cristina Vilhena