domingo, 29 de maio de 2011

Irena Sendler...a Mãe das crianças do holocausto...

A Mãe das crianças do Holocausto

“A razão pela qual resgatei as crianças tem origem no meu lar, na minha infância. Fui educada na crença de que uma pessoa necessitada deve ser ajudada com o coração, sem importar a sua religião ou nacionalidade. - Irena Sendler ”

Quando a Alemanha Nazi invadiu o país em 1939, Irena era enfermeira no Departamento de bem estar social de Varsóvia, que organizava os espaços de refeição comunitários da cidade. Ali trabalhou incansavelmente para aliviar o sofrimento de milhares de pessoas, tanto judias como católicas. Graças a ela, esses locais não só proporcionavam comida para órfãos, anciãos e pobres como lhes entregavam roupas, medicamentos e dinheiro.

Em 1942, os nazis criaram um gueto em Varsóvia, e Irena, horrorizada pelas condições em que ali se sobrevivia, uniu-se ao Conselho para a Ajuda aos Judeus, Zegota. Ela mesma contou:


"Consegui, para mim e minha companheira Irena Schultz, identificações do gabinete sanitário, entre cujas tarefas estava a luta contra as doenças contagiosas. Mais tarde tive êxito ao conseguir passes para outras colaboradoras. Como os alemães invasores tinham medo de que ocorresse uma epidemia de tifo, permitiam que os polacos controlassem o recinto."

Quando Irena caminhava pelas ruas do gueto, levava uma braçadeira com a estrela de David, como sinal de solidariedade e para não chamar a atenção sobre si própria. Pôs-se rapidamente em contacto com famílias, a quem propôs levar os seus filhos para fora do gueto, mas não lhes podia dar garantias de êxito. Eram momentos extremamente difíceis, quando devia convencer os pais a que lhe entregassem os seus filhos e eles lhe perguntavam:
"Podes prometer-me que o meu filho viverá?". Disse Irena, "Que podia prometer, quando nem sequer sabia se conseguiriam sair do gueto?" A única certeza era a de que as crianças morreriam se permanecessem lá. Muitas mães e avós eram reticentes na entrega das crianças, algo absolutamente compreensível, mas que viria a se tornar fatal para elas. Algumas vezes, quando Irena ou as suas companheiras voltavam a visitar as famílias para tentar fazê-las mudar de opinião, verificavam que todos tinham sido levados para os campos da morte.


Irena Sendler em Varsóvia, 2005Ao longo de um ano e meio, até à evacuação do gueto no Verão de 1942, conseguiu resgatar mais de 2.500 crianças por várias vias: começou a recolhê-las em ambulâncias como vítimas de tifo, mas logo se valia de todo o tipo de subterfúgios que servissem para os esconder: sacos, cestos de lixo, caixas de ferramentas, carregamentos de mercadorias, sacas de batatas, caixões... nas suas mãos qualquer elemento transformava-se numa via de fuga.


Irena vivia os tempos da guerra pensando nos tempos de paz e por isso não fica satisfeita só por manter com vida as crianças. Queria que um dia pudessem recuperar os seus verdadeiros nomes, a sua identidade, as suas histórias pessoais e as suas famílias. Concebeu então um arquivo no qual registava os nomes e dados das crianças e as suas novas identidades.

Árvore plantada no Yad Vashem em homenagem a Irena Sendler

Os nazis souberam dessas actividades e em 20 de Outubro de 1943; Irena Sendler foi presa pela Gestapo e levada para a infame prisão de Pawiak onde foi brutalmente torturada. Num colchão de palha encontrou uma pequena estampa de Jesus Misericordioso com a inscrição: “Jesus, em Vós confio”, e conservou-a consigo até 1979, quando a ofereceu ao Papa João Paulo II.

 Ela, a única que sabia os nomes e moradas das famílias que albergavam crianças judias, suportou a tortura e negou-se a trair seus colaboradores ou as crianças ocultas. Quebraram-lhe os ossos dos pés e das pernas, mas não conseguiram quebrar a sua determinação.


Foi condenada à morte.


Enquanto esperava pela execução, um soldado alemão levou-a para um "interrogatório adicional". Ao sair, gritou-lhe em polaco "Corra!". No dia seguinte Irena encontrou o seu nome na lista de polacos executados. Os membros da Żegota tinham conseguido deter a execução de Irena subornando os alemães, e Irena continuou a trabalhar com uma identidade falsa.
Em 1944, durante o Levantamento de Varsóvia, colocou as suas listas em dois frascos de vidro e enterrou-os no jardim de uma vizinha para se assegurar de que chegariam às mãos indicadas se ela morresse.
Ao acabar a guerra, Irena desenterrou-os e entregou as notas ao doutor Adolfo Berman, o primeiro presidente do comité de salvação dos judeus sobreviventes.
Lamentavelmente, a maior parte das famílias das crianças tinha sido morta nos campos de extermínio nazis.

De início, as crianças que não tinham família adoptiva foram cuidadas em diferentes orfanatos e, pouco a pouco, foram enviadas para a Palestina.

As crianças só conheciam Irena pelo seu nome de código "Jolanta". Mas anos depois, quando a sua fotografia saiu num jornal depois de ser premiada pelas suas acções humanitárias durante a guerra, um homem chamou-a por telefone e disse-lhe: "Lembro-me da sua cara. Foi você quem me tirou do gueto." E assim começou a receber muitas chamadas e reconhecimentos públicos.

Em 1965, a organização Yad Vashem de Jerusalém outorgou-lhe o título de Justa entre as Nações e nomeou-a cidadã honorária de Israel.

Em Novembro de 2003 o presidente da República Aleksander Kwaśniewski, concedeu-lhe a mais alta distinção civil da Polónia: a Ordem da Águia Branca.
Irena foi acompanhada pelos seus familiares e por Elżbieta Ficowska, uma das crianças que salvou, que recordava como "a menina da colher de prata".

Proposta para o Nobel da Paz

Funeral de Irena Sendler.Irena Sendler foi apresentada como candidata para o prémio Nobel da Paz pelo Governo da Polónia. Esta iniciativa pertenceu ao presidente Lech Kaczyński e contou com o apoio oficial do Estado de Israel através do primeiro-ministro Ehud Olmert, e da Organização de Sobreviventes do Holocausto residentes em Israel.


As autoridades de Oświęcim (Auschwitz) expressaram o seu apoio a esta candidatura, já que consideraram que Irena Sendler era uma dos últimos heróis vivos da sua geração, e que tinha demonstrado uma força, uma convicção e um valor extraordinários frente a um mal de uma natureza extraordinária.


O prémio desse ano, no entanto, foi dado a Al Gore pela sua defesa do meio-ambiente.


João Neves

segunda-feira, 16 de maio de 2011

LIZETE BAESSA...Anjo de Chelas...


...O COLO GRANDE DA TIA PRETA...


 Lizete Baessa. Num blogue, após assistir a um documentário na RTP2 sobre ela, alguém lhe chamou "o anjo de Chelas". Difícil explicar o que faz: acolhe crianças, pode-se dizer. Antes, passavam o dia na rua, partiam o bairro, metiam-se em sarilhos. Com ela mudaram. Porquê, difícil dizer. Ela diz que é amor, eles dizem que seja o que for que ela fez e disse mudou tudo. Ao ponto de os fazer desejar "uma vida normalmente"

Das cinco à meia-noite, a casa enche. Qual será o segredo?

Tem cinco anos e uma colher de pau na mão. Ao princípio não fala, envergonhado, meio escondido no colo da "tia preta". Brinca com uma colher
de pau, a "sete e quinhentos". A sete e quinhentos, assim crismada, é o instrumento disciplinador da casa, mais o "banco do mocho", uma pedra grande junto à entrada onde os culpados se sentam de castigo. São a pontuação das regras - e há muitas - que estabelecem a ordem no pequeno T2 de Chelas onde, por vezes, chegam a coincidir duas dezenas de crianças e adolescentes. Hoje são menos, uns 10 (estão sempre a entrar e a sair), entre os 17 e os cinco anos.
Como ele, o da colher de pau, sem mãe desde os 15 dias. Vive com o pai, uma avó e os irmãos mais velhos mas é aqui, na casa de Lizete Baessa, a "tia preta", que passa grande parte do dia. É aqui que lancha (e lancha agora uma tijela de cereais com leite, servida pelo Niná,o mais velho do grupo, frequentador da casa há quatro anos) que janta, que vê televisão, que brinca com o puzzle que trouxe de casa. É aqui que aprende a pedir por favor e a dizer obrigado, a cumprimentar as visitas, a fazer a sua parte nas tarefas domésticas, a cumprir os deveres da escola. "Os miúdos entram em minha casa e há uma escala de serviço. Eles acatam com uma grande facilidade as minhas regras. Sabem que quando digo que não é não, sim é sim. Não há talvez. A única coisa que eles dizem é 'com a tia pode-se conversar'. E sabem que quando se portam mal os ponho de castigo. Tenho crianças que têm várias personalidades. Quando estão comigo são uma coisa, com os pais insultam os pais, batem nos pais. Tenho dos recém nascidos aos 18 anos..."
Tem crianças, diz. Chama-lhes "os meus meninos". Um destes dias, um menino de três anos que vive no mesmo prédio entrou-lhe pela casa dentro e anunciou: "Agora sou teu filho". Sorri, um sorriso encantado. "Filhos, filhos nunca tive. Já criei um miúdo que os meus sobrinhos descobriram a viver na rua, ali junto à fonte luminosa, aos 13 anos. Tinha-se zangado com a família. Trouxe-o para casa e ele ficou. Dizia que não tinha mãe." No quarto, fotos do menino agora homem casado, com a mulher, rivalizam com a espécie de altar que guarda a do pai, na entrada da casa. Pedro Baessa, o primeiro e único negro deputado na Assembleia Nacional de Salazar, um moçambicano com seis filhos dos quais Lizete foi a mais nova. "Vim para Portugal em 1967, com 14 anos. Meteram-me num colégio interno, detestei. Estava habituada à liberdade de África, a uma casa cheia de gente... Foi com os meus pais que aprendi a acolher os outros. A casa deles era um lar, era um colégio, era a pensão cá-te-quero. Cresci naquele ritmo, fiquei com aquela veia. Gosto de dar sem receber nada em troca."

 
Nada não será. Quando em Maio foi operada a um tumor no peito e ficou uma semana internada, uma senhora também do bairro que costuma ajudá-la a tomar conta dos miúdos ficou com eles esse tempo. Ou seja, iam ter a casa dela, a "tia branca", em vez de à casa da tia preta. "Não correu bem", diz Lizete. "Eles deram com ela em doida , portaram-se muito mal, e ela agora decidiu afastar-se um bocado". Consciente de que o mau comportamento dos seus meninos não seria alheio ao medo de a perder - alguns, antes da operação, desapareceram, como se recusassem enfrentar a hipótese -, conta a história com um indisfarçado enlevo, o de quem reconhece que, afinal, recebe: "Eles dão-me muito amor". O milagre, se suave, não ocorreu sem escolhos. "Esta gente tem muita falta de carinho. Ao princípio sofri um bocado porque não estavam habituados a receber atenção. As pessoas desconfiavam das minhas intenções, do que eu realmente quereria. Vieram-me pôr coisas aqui à porta: uma cabeça de galinha, pele de coelho, farinha, sal..."

O que fez? Meteu conversa com os miúdos, foi-se aproximando. E eles dela. "Via-os por aí, na rua, fazia-me confusão estarem ali todo o dia. A escola é de vez em quando. É o estragar, o partir, o tratar mal, o não sei quê. Aqui encontram calor, amor..."Más experiências? Abana a cabeça. "Às vezes temos uns arrufos. Mas eles voltam. E mudam. É tão bom vê-los mudar." Está aqui, na Flamenga, Chelas, há 14 anos. Um bairro, como se costuma dizer, "problemático". "O que é que se entende por problemático? É quando a polícia cerca o bairro porque há quem venda droga? Nos bairros ditos não problemáticos não há problemas?". Ela, diz, gosta. "Gosto, somos nós que fazemos os bairros. Em todos os sítios onde tenho passado tenho inclinação para dar um sorriso, alguma cor... Não tenho problema nenhum em dizer que vivo em Chelas. Vivo no Rock in Rio." Ri. "E as pessoas dizem: e sais à rua sem problema nenhum? As pessoas têm a ideia que se dá um passo e eles matam, se olha e eles fulminam. Mas o bairro tem coisas boas. Há sempre alguém que ajuda, que dá a mão". Também há o resto, claro: os elevadores escavacados, as portas partidas, o lixo atirado das janelas. "Eles estragam onde vivem. É uma raiva de chamar a atenção. Estragam as próprias casas e depois esperam que venha alguém arranjar."

O apartamento minúsculo mas bem cuidado é seu - comprou-o à Gebalis, a empresa municipal que gere o bairro e à qual solicitou um espaço "para as crianças, onde possa fazer o que faço aqui, com mais condições". Como não quer criar uma instituição ou sequer uma associação para o efeito, pediu a uma instituição católica da zona, a fundação Maximiliano Kolbe, para gerir os espaço - "Ficavam como entidade patronal". Mas a coisa não arranca. "Um senhor quis ajudar, patrocinar, mas como é da igreja evangélica criou-se um sururu... Tentei explicar que isto não tem nada a ver com religião, é um problema humano. Sou católica, mas que tem isso a ver?" Agora, diz, como o "bispo evangélico" traz comida e dinheiro (dar de comer a tanta criança não sai barato), os párocos começaram a trazer também dádivas. "Ainda ontem vieram trazer iogurtes, uma garrafa de óleo e trinta euros".

O "espaço" que falta é uma espécie de projecto de grupo. Niná e a Bela, os mais crescidos, até estão a fazer um curso de "educação e formação". "Entramos com o sexto e acabamos com o nono ano", explica o Niná. "E se houver o espaço podemos lá trabalhar. Experiência não nos falta." Faz um gesto largo, risonho, sobre as crianças espalhadas na sala de 12 metros quadrados, e que lhe obedecem sem discutir.


A transição entre o rés-do-chão da ex-secretária (foi a sua profissão durante anos até que a doença determinou uma baixa prolongada e a aproximou, pela permanência, das crianças do bairro)e um lugar institucional poderá não ser tão óbvio ou fácil como Lizete Baessa parece crer. Perder-se-á, decerto, o aspecto espontâneo desta obra - porque de uma obra se trata. Talvez se ganhe na dimensão: "Há muito miúdo que se perde... Mas penso que sem isto se perderiam muitos mais. Convido-os a vir, fazer esta casa como sua. Mas digo: 'não te obrigo, quando não quiseres não vens'. Eles vêm porque querem. Há calor humano, há amor. Eles não têm e os pais também não tiveram nem têm para dar. E buscam a tia preta."

Diário de Noticias – 13/Dezembro/2008
FERNANDA CÂNCIO



João Neves