
Levantava dez mil escudos por semana – o máximo permitido –
e guardava o dinheiro num cofre escondido debaixo de dois azulejos com fundo
falso junto à banheira em vez de o entregar aos cuidados do Consulado de
Portugal como fizeram muitos portugueses. Depois de constituir uma reserva,
estudou a melhor maneira de levar consigo mais do que os cinco mil escudos
regulamentares. Como as notas não lhe valeriam de nada , converteu o dinheiro
em objetos para enviar por via marítima e vender na metrópole.
O investimento era arriscado porque a Frelimo considerava
sabotagem económica retirar de Moçambique automóveis, motos e uma série de
outros bens. Se o mandassem abrir os caixotes, teria sarilhos, mas ou arriscava
ou ficava sem nada. Disfarçou as cargas proibidas o melhor que pôde: desmantelou
uma moto Suzuki vermelha nova e escondeu as peças num contentor; encaixou um
faqueiro de prata dentro da porta de um Alfa Romeo Sud pago à última hora e
encheu o depósito de combustível com moedas de vinte escudos.
“Descobri que eram feitas de uma liga de prata e trouxe as
que consegui. Não andei a vendê-las na rua, mas houve uma casa de penhores que
as comprou ao quilo.” Com o resto do dinheiro adquiriu cinquenta caixas de
folha de serrote e várias ferramentas de elevada qualidade que dissimulou no meio
das mobílias. Deu-se ao trabalho de
desparafusar a placa de isolamento da
porta do frigorifico para esconder os títulos de propriedade do prédio da Rua
de Portalegre, na esperança de um dia poder provar que era o dono do imóvel.
Estava preparado para despachar tudo por via marítima e
enfrentar as consequências se fosse descoberto quando um conhecido lhe
perguntou:
“Senhor Inácio, quer que não abram os seus caixotes?”
O homem explicou-lhe que, por uns trocos, alguns elementos
da Frelimo estavam dispostos a fechar os olhos ao que saía do país. E Inácio,
como muitos milhares de portugueses a quem foi dada essa oportunidade, nem
hesitou.
Cada um transportou o que pôde: na maioria dos casos,
carros, motos, algumas mobílias e objetos de estimação. Mas quem tinha jóias ou
diamantes fez os possíveis por os levar consigo, sabendo que teriam sempre
valor em caso de necessidade…”
In “Os que vieram de África” de Rita Garcia
...quando pedi uma Coca-Cola disseram-me que não havia...

…para que a nossa memória não seja curta…é tudo isto que nos devia unir…
João Neves
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