Por: MANUEL VILAS-BOAS
São menos agora os meninos da rua em Nampula. Das centenas que eram, não restam mais do que umas escassas dezenas. Para onde foram?
Andam tristes as acácias de Nampula. Não há porta ou janela que não tenha grades. As greves fazem ecoar o descontentamento dos trabalhadores. Há silêncios na cidade e bocas caladas... Já lá vai mais de uma década sobre o fim da guerra civil e resta um país empobrecido. As crianças, esses filhos de ninguém, encheram a cidade, de quase 400 mil habitantes, a transbordar pelos bairros populares, lugares de toda a miséria.
Mas são menos agora os meninos da rua em Nampula, revela-nos a polícia. Das centenas que eram, não restam mais do que umas escassas dezenas. Para onde foram estes meninos da rua, carne para todas as mesas, pergunta-se insistentemente na capital do Norte de Moçambique, assolada, há mais de meio ano, por denúncias de rapto e tráfico de menores, de desaparecimento e assassínio de pessoas, com corpos mutilados.
Na escola primária Parque Popular, com 700 alunos, na cidade, nada consta, oficialmente, sobre o rapto de crianças e tráfico de órgãos humanos, mas nas ruas desatam-se histórias, contadas ali mesmo por crianças e adultos.
E... de repente, Nampula toma lugar de destaque nos olhos do mundo. A 15 de Julho de 2003, corre pela cidade o caso do pequeno Félix Mário, de 9 anos. Há duas semanas que estava no bairro do Namicopo, sob custódia de Dionísio Armindo, de 17 anos, que se aprontava para o vender por oitenta milhões de meticais, cerca de 3200 euros. Só a ausência do casal sul-africano, a quem se destinava esta venda, impediu que o tráfico se concretizasse. As religiosas do mosteiro Mater Dei tomaram conhecimento do caso e apresentaram-no à polícia. Dionísio viria a ser condenado a sete anos de cadeia, a 5 de Março de 2004, por «crime de ocultação, troca e descaminho de menores de forma frustrada». O casal, Gary O’Connor, sul-africano, e Tanja Skytte, dinamarquesa, sobre quem recaem acusações graves de tráfico, permanecem em liberdade, sob termo de residência e identidade. Dedicam-se há quatro anos à exploração de um aviário e de um netcafé em Nampula.

Estes e outros casos são denunciados por carta às autoridades moçambicanas, a 13 de Setembro de 2003, assinada pelo arcebispo de Nampula, D. Tomé Makhweliha, pelo padre Carlos Ferreira, reitor do seminário interdiocesano, pela irmã Juliana, superiora do mosteiro Mater Dei, e por Elilda dos Santos, leiga consagrada da arquidiocese de S. Paulo, no Brasil.
Provas dos factos denunciados foram pedidas à polícia e aos tribunais. Estão já no terreno novos investigadores, depois da apresentação do relatório preliminar dado como inconclusivo. Eduardo Julião Balane, director da temida PIC, a Polícia de Investigação Criminal, não tem ainda respostas, mas revela que, em Nacala, no ano 2000, foi presa uma quadrilha por ter assassinado três crianças, a quem extraíram os órgãos para práticas tradicionais.

Após as denúncias, tomadas em coro pelo colectivo dos missionários em serviço em Moçambique, baixaram os raptos e o desaparecimento de pessoas na região de Nampula. Também as avionetas e os carros de vidros fumados se ausentaram dos alegados lugares do crime. O arcebispo, D. Tomé Makhweliha, rompeu, por fim, o silêncio, que se tinha imposto, limitado à assinatura de documentos. Esteve já no Maputo, reunido, ao mais alto nível, com os governantes de um país, com eleições presidenciais agendadas para este ano. O prelado reiterou o seu apoio a todas as denúncias que partiram da sua diocese.
in "Além Mar" - Abril de 2004
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