…”Nas últimas semanas que passou em Lourenço Marques ,
Inácio Ribeiro comprou todas as ferramentas que conseguiu. Depois dos
acontecimentos de 7 de Setembro de 1974, sabia que não poderia ficar muito mais
tempo em Moçambique e recusava-se a deixar lá as poupanças que amealhara à
custa de uma vida de trabalho como torneiro mecânico e das rendas de um prédio
que construíra na Rua de Portalegre, no bairro da Malhangalene.
Levantava dez mil escudos por semana – o máximo permitido –
e guardava o dinheiro num cofre escondido debaixo de dois azulejos com fundo
falso junto à banheira em vez de o entregar aos cuidados do Consulado de
Portugal como fizeram muitos portugueses. Depois de constituir uma reserva,
estudou a melhor maneira de levar consigo mais do que os cinco mil escudos
regulamentares. Como as notas não lhe valeriam de nada , converteu o dinheiro
em objetos para enviar por via marítima e vender na metrópole.
O investimento era arriscado porque a Frelimo considerava
sabotagem económica retirar de Moçambique automóveis, motos e uma série de
outros bens. Se o mandassem abrir os caixotes, teria sarilhos, mas ou arriscava
ou ficava sem nada. Disfarçou as cargas proibidas o melhor que pôde: desmantelou
uma moto Suzuki vermelha nova e escondeu as peças num contentor; encaixou um
faqueiro de prata dentro da porta de um Alfa Romeo Sud pago à última hora e
encheu o depósito de combustível com moedas de vinte escudos.
“Descobri que eram feitas de uma liga de prata e trouxe as
que consegui. Não andei a vendê-las na rua, mas houve uma casa de penhores que
as comprou ao quilo.” Com o resto do dinheiro adquiriu cinquenta caixas de
folha de serrote e várias ferramentas de elevada qualidade que dissimulou no meio
das mobílias. Deu-se ao trabalho de
desparafusar a placa de isolamento da
porta do frigorifico para esconder os títulos de propriedade do prédio da Rua
de Portalegre, na esperança de um dia poder provar que era o dono do imóvel.
Estava preparado para despachar tudo por via marítima e
enfrentar as consequências se fosse descoberto quando um conhecido lhe
perguntou:
“Senhor Inácio, quer que não abram os seus caixotes?”
O homem explicou-lhe que, por uns trocos, alguns elementos
da Frelimo estavam dispostos a fechar os olhos ao que saía do país. E Inácio,
como muitos milhares de portugueses a quem foi dada essa oportunidade, nem
hesitou.
Cada um transportou o que pôde: na maioria dos casos,
carros, motos, algumas mobílias e objetos de estimação. Mas quem tinha jóias ou
diamantes fez os possíveis por os levar consigo, sabendo que teriam sempre
valor em caso de necessidade…”
“Na década de 1970, este era um cenário comum em Portugal,
sobretudo nos meios rurais. Em todo o país, apenas 29% das casas tinham, em simultâneo,
água canalizada, eletricidade, banheira e retrete; em Lisboa o valor subia para
51%, mas, em Bragança, não passava dos 8%, ficando a maioria das habitações
privadas destas condições básicas. No Alentejo, a situação não era muito
diferente.”…
In “Os que vieram de África” de Rita Garcia
...quando pedi uma Coca-Cola disseram-me que não havia...
…para os que vieram de África tudo isto significava um
atraso que os surpreendeu e criou outro desanimo em relação ao futuro que os
esperava…no entanto, considero que o que nos une não é só a saudade da terra que
nos viu nascer e crescer…não é só a saudade do contacto estreito, direto e até
diário com a natureza esplendorosa…não é só os laços de amizade e
fraternidade…o que nos une é também o desprezo com que fomos recebidos nesta
terra que diziam ser a nossa Pátria…o que nos une é a forma como fomos
violentados…o que nos une é, ainda, a sigla desprezível com que nos marcaram
para toda a vida...retornados…eu que nem aqui nasci e cresci…eu que ainda hoje leio no meu
cadastro fiscal a informação de Nacionalidade: NÃO PORTUGUÊS.
…para que a nossa memória não seja curta…é tudo isto que nos devia unir…
…para que a nossa memória não seja curta…é tudo isto que nos devia unir…
João Neves
Sem comentários:
Enviar um comentário